Por: Heider Nobre de Lira, vendedor de perfumes, entusiasta e estudioso do tema.


Heider é um querido amigo de longa data, apaixonado por perfumes. Sabendo disso, pedi a ele que escrevesse um pouco sobre o assunto para publicarmos no blog. Eu amo os aromas, especialmente os naturais, e desejo muito aprender mais sobre esse tema. Por isso, com muita alegria e honra, compartilho com você este conteúdo rico, produzido pelo meu querido amigo, por quem sou muito grata.
Espero que você aprecie o conteúdo tanto quanto eu.

Beatriz F. A. Yamada  – CEO byCORPUS.


História da Perfumaria
Foi ainda na antiguidade que o homem primitivo descobriu o cheiro agradável que certas ervas e cascas de frutas liberavam ao serem queimadas. Iniciou-se, então, a prática que daria início à arte da perfumaria. Vem dessa prática a origem da própria palavra perfume, do Latim per fumum (por fumaça). O cheiro agradável era usado para aplacar a ira dos deuses.

A Importância do Egito
Os egípcios aprenderam a dominar os cheiros para seus avançados (para a época) processos de embalsamamento de cadáveres. Foi esse povo também o primeiro de que se tem notícia a usar o perfume como meio de sedução no próprio corpo.

Diz a História que a própria Cleópatra teria descoberto o poder do perfume para essa finalidade e impregnava de fragrância até a vela de seu barco.

Os egípcios se perfumavam para ir a banquetes. À época os perfumes não eram na forma líquida. Eles impregnavam gordura de fragrância e colocavam-na sobre a cabeça. Enquanto o banquete se desenrolava o calor do corpo ia gradativamente dissolvendo a gordura que ia descendo da cabeça para o resto do corpo e vestes liberando o perfume.

O Primeiro Perfume Alcoólico
Não foi senão em 1370 que surgiria o primeiro perfume alcoólico da História. Tratava-se da Água da Rainha da Hungria, intensíssima comparada aos perfumes da época.

A excelente perfumista criadora brasileira Ane Walsh teve acesso à fórmula e comercializa uma reprodução adaptada ao gosto atual, pois, segundo ela, o que a rainha usava era, na verdade, um vinagre.

Diz-se que o monarca Luís I, O Grande, era o marido da rainha e tinha planos ambiciosos de anexar a Polônia à Hungria. Não queria, porém, uma guerra. Chamou, então, o jovem rei da Polônia para uma conversa. Ele teria ficado tão impressionado com o cheiro que vinha da rainha que concordou na anexação. Fato ou lenda, o fato é que em 1370 a Polônia foi anexada à Hungria.

Até muito tempo depois, na verdade até o século XIX, o perfume não foi usado senão por nobres ou pessoas muito ricas devido ao alto custo decorrente do fato de que eram totalmente naturais e contendo matérias-primas trazidas de longe, por vezes do Oriente até a Europa, em viagens sofridas e perigosas.

Na Idade Média, os banhos chegaram a ser proibidos; logo, a falta de higiene predominava ali.
Os nobres usavam então os perfumes para se diferenciar das pessoas comuns, já que misturavam o mau cheiro corporal padrão à época ao perfume, resultando numa deturpação do mau cheiro. As mulheres comuns costumavam ter um assento vazado embaixo do qual deitavam brasas em um recipiente e, sobre elas, espécies aromáticas de vegetais e ali se sentavam na tentativa de dar uma aliviada no negócio. Não se tem notícia de que os homens tomassem providência alguma. Acreditava-se que a água transmitia doenças e não havia saneamento básico. Excrementos em penicos eram jogados à rua. Nos palácios havia os encarregados de recolhê-los nos corredores que davam acesso aos aposentos. As doenças se proliferavam. A expectativa de vida era baixa.

Onde Entra a França
A Provence, ao sul da França, e, em especial, a cidade de Grasse e entorno é uma região muito propícia ao cultivo de flores. Considera-se o jasmim produzido ali o melhor do mundo. Apesar de a produção local ter entrado em declínio com a concorrência dos jasmins egípcio e hindu, também de excelente qualidade e melhor preço (Aliás, o jasmim e a rosa são considerados o sustentáculo da perfumaria).

No século XVII luvas de couro eram bastante usadas, e costumava-se perfumá-las, ainda no ato da fabricação, para mascarar o cheiro áspero do couro . Os fabricantes dessas luvas foram se aperfeiçoando mais e mais no domínio das fragrâncias ao ponto de passarem a ser chamados luveiros-perfumistas. A mesma coisa aconteceu a pessoas do clero, devido ao uso de incenso nas missas. Detendo-nos aqui ao caso dos luveiros-perfumistas de Grasse e Montpellier e adjacências, eles foram se tornando cada vez mais poderosos.

De fato, no século XVII era a França o único país do mundo onde a profissão de perfumista criador foi regulamentada por estatuto, tornando esse ofício algo muito mais sólido na França do que em qualquer outro lugar do mundo. Em 1673 o clarividente Jean-baptiste Colbert promulgou um estatuto que trazia uma série de benefícios a esses profissionais. Por exemplo, fazer uso da Companhia das Índias para importar matérias-primas. Alguns luveiros-perfumistas uniram-se em uma única organização e só eles podiam cultivar as flores raras que vinham da Índia. Uma curiosidade: vem da época o termo “eau de toilette “. Toilette à época era apenas o diminutivo da palavra francesa “toile ” (pano). Mas, na prática, era um pano de dimensões consideráveis onde as mulheres guardavam pomadas aromáticas e frascos de perfumes. Quando iam usar abriam-no numa mesa e depois tornavam a fechá-lo com diversos nós numa tentativa de resguardar a cara carga das outras moradoras da casa. Até porque as mulheres prezavam muito o perfume como um encanto pessoal, e era costume não revelar de jeito nenhum a origem do seu.

Outro costume estranho hoje era o de beber perfume. Como à época as essências que vinham das plantas eram todas naturais atribuíam-lhe poderes medicinais, como, por exemplo, o de antidepressivo . Aliás, era como medicamento que era consumido o perfume mais antigo ainda possível de encontrar nas perfumarias hoje: a Eau De Cologne 4711. Porém quando estava prestes a ser lançado na França (o produto era alemão) Napoleão exigiu que fosse conhecida a fórmula completa, ingredientes e quantidades, como era de praxe com qualquer medicamento na França. Isso significava para os fabricantes entregar o mapa da mina, e a ideia que eles tiveram para não desperdiçar a chance foi acrescentar no rótulo que aquela era uma fórmula de uso externo para perfumação. Só então esse uso daquela água perfumada começou a se disseminar com essa função.

Já no século XIX a imperatriz Eugénia foi outra que apoiou a atividade perfumística na França. Pierre-françois-pascal Guerlain , fundador da Guerlain em 1828, dedicou-lhe em 1853 a Eau De Cologne Imperiale que é considerado um dos 100 perfumes mais prestigiosos da História. Como conclui-se, comparando-se a o que já foi dito, foi uma junção de natureza e vontade política que fez da França a pátria dos perfumes como é conhecida até os dias atuais.

A Industrialização

A atividade permaneceu basicamente artesanal até meados do século XIX. Em 1849, o jovem químico Molinard fundou em Grasse a casa de mesmo nome. Ele é considerado o pai da indústria perfumística propriamente dita. A marca não é muito conhecida dos brasileiros, mas é ativa até hoje e um dos nomes mais tradicionais e representativos da qualidade da perfumaria francesa. Os herdeiros de Molinard fundaram em Grasse um museu onde pode-se contemplar objetos de todo o mundo relacionados ao perfume bem como as máquinas e alambiques desenvolvidos por Molinard e que ainda são utilizados hoje.

Finalmente Os Perfumes Chegam a Todos
Paralelamente ao processo de industrialização da perfumaria, começa a surgir uma inovação que seria determinante para que um bom perfume deixasse de ser um privilégio de abastados: a contribuição da Química com as essências sintéticas, substâncias que imitam à perfeição os cheiros da natureza. Detalhe: existem pelo menos dois cheiros na natureza de uma complexidade molecular tão grande que a ciência não consegue reproduzir com exatidão: o jasmim e a rosa. Assim sendo, para se conseguir uma boa essência artificial de uma dessas duas flores faz-se necessário acrescentar um pouco do produto da natureza.

Uma a uma foram surgindo a cumarina, o âmbar e os aldeídos sintéticos utilizados em grande quantidade, em 1920, naquele que se tornaria o perfume mais prestigioso da História da Perfumaria: o maravilhoso No 5 de Chanel. E, para aqueles que torcem o nariz para os sintéticos, é bom lembrar que nosso exaurido planeta não teria condições de atender à demanda de óleos essenciais necessários para compor perfumes 100% naturais nas proporções de hoje sem graves consequências ambientais.

Ressalta-se também que a perfumaria quase levou à extinção os almiscareiros, que ainda hoje são uma espécie rara e ameaçada. O problema é que, quando os sintéticos surgiram, eles também custavam caro. Foi preciso esperar até o século XX para que eles se tornassem não só uma solução ecológica, mas também para o bolso. Um exemplo: quando, em 1876, a ciência conseguiu isolar a vanilina, imitação sintética da cara baunilha, o quilo custava 8.800,00 francos franceses. Quatro anos mais tarde, 2.000,00. Em 1885, 938,00 francos.

Quando, em 1913, foi utilizada em grandes quantidades numa criação Coty, provavelmente o maior nome da perfumaria mundial então, havia caído para 45,00 francos. Mas os sintéticos não foram a única inovação que determinou a popularização dos perfumes. Houve também melhoria nas técnicas de preparação dos óleos essenciais. O enfleurage, ou enfloragem, foi substituído, primeiro por um método mais simplificado e depois por destilação feita com álcool, mais rápida e econômica. Mais recentemente, com o desenvolvimento científico, outra novidade surgiu: uma alta tecnologia “aprisiona” o cheiro de uma determinada flor na natureza no momento em que esta libera seu perfume mais intensamente e esse cheiro é reproduzido à perfeição posteriormente em laboratório, sem que seja necessária a destruição de uma única flor.

Uma expedição com um dirigível sobrevoou florestas da América do Sul numa altura um pouco superior à copa das árvores. O processo utilizado foi o head space, desenvolvido pelo pesquisador Roman Kaiser. A expedição constatou diferentes características aromáticas em espécies já conhecidas em virtude das peculiaridades ambientais, bem como mudanças no cheiro dependendo do momento do dia. Diversas expedições assim já foram realizadas mundo afora, tendo como fruto a descoberta de centenas de novas substâncias aromáticas em plantas. Exemplos: vitória-régia (victoria regia) e harrisia ou night scented harrisia (harrisia adscend) do Brasil; boronia ou brown boronia (boronia megastignata) do sudoeste da Austrália; belle de nuit (mirabilis jalapa) encontrada na América do Sul; e espécies de begônia (begonia spp.) e maracujá (passiflora spp.) de variados lugares.

Perfumes perfeitamente suaves surgiram como frutos dessas pesquisas. Um bom exemplo é Incandessence de Avon, de 2000, cujos florais foram captados em diferentes locais do mundo em diferentes horários: amanhecer na Colômbia com morning dew orchid (orchidaceae miltoniopsis phalaenopsis); meio-dia na China e no sul da Europa com white peony ou pivoine (peoniaceae) e yellow tulip (Tulipa sylvestris) e entardecer no Brasil com diamond orchid (Constancia cipoense).

Um exemplo recente de perfume usando a captação de aromas da natureza para replicar em laboratório foi o perfume de casal Essencial Ato de Natura, que trouxe ao seu frasco a flor do pau-brasil sem a necessidade de retirar uma única flor da natureza.

Ainda lá pela virada do século XIX para o XX houve mais outra mudança, abrindo caminho para a popularização dos perfumes: o consumo de perfumes era crescente e alguns perfumistas criadores começaram a trabalhar para costureiros e nomes que surgiam no cenário dos perfumes, como Borsari na Itália, Atkinsons na Inglaterra, Avon nos Estados Unidos ou Bourjois na França, que não queriam se preocupar em ter no seu quadro de funcionários perfumistas criadores. Começavam a surgir as casas de fragrâncias, desconhecidas do grande público, que em breve se tornariam multinacionais gigantescas com a finalidade de criar perfumes que seriam assinados por outras empresas.

Crescia o consumo de perfumes, o cheirar bem foi virando quase uma obsessão e essas empresas passaram a criar cheiros para tudo: perfumes que perfumariam cosméticos (os chamados perfumes de segunda) e para produtos de limpeza (os perfumes de terceira). Aromatizam também alimentos. Essas empresas, de nomes desconhecidos do grande público, como I.F.F., Robertet ou Quest, são, na verdade, quem estuda as fragrâncias que receberão em seus rótulos as marcas realmente conhecidas do público, sejam elas do mercado de massa ou as grandes grifes do mercado do luxo, pois estas empresas, em sua maioria, não contam com perfumista criador próprio. As casas de fragrâncias trabalham num padrão de qualidade internacional, não importando se o briefing que recebem chega da França, dos Estados Unidos, do Brasil ou do Japão.

Explicado aqui o que significa oficialmente um perfume de primeira, de segunda ou de terceira, caberia citar um fato curioso: em 1953, a americana Estée Lauder lançou um óleo de banho perfumado. O perfume orientalizante desse óleo era tão esplendoroso e o produto foi acompanhado de um êxito tão grande que foi lançado o perfume com a mesma fragrância: Youth Dew de Estée Lauder, que claramente inspiraria, em 1977, Yves Saint Laurent na “criação” de seu famoso Opium.

De fato, as semelhanças entre os dois perfumes são tão grandes que Estée poderia facilmente ter colocado em apuros o costureiro francês nascido na Argélia diante da justiça. A guerra que ela empreendeu, porém, teve como vencedor os amantes de perfumes.

Um ano depois, lançou um perfume que chamou de a resposta de Estée Lauder a Saint Laurent: Cinnabar. Youth Dew foi considerado o melhor perfume americano lançado até então. E há quem o considere o melhor até hoje. Só que não foi por acaso que a fragrância estudada para esse óleo era assim tão caprichada. Estée conta em sua autobiografia que, à época, eram poucas as americanas que ousavam comprar seu próprio perfume ao seu bel-prazer. O decoro pedia que elas esperassem que o namorado lhes ofertasse um. Foi enquanto estava em casa de amigos que ela avistou três belos frascos numa estante, cobertos de poeira. De imediato, decidiu fazer algo para tentar mudar tal realidade. A ideia que teve foi a de construir um produto altamente perfumado com uma fragrância realmente maravilhosa. Funcionou!

“Perfume é a forma mais intensa de memória.” – Jean Paul Guerlain



Bibliografia consultada

Brasilessência A Cultura do Perfume/Renata Ashcar, São Paulo, Nova Cultural, 2001.

100 Perfumes de Sempre. Editorial Estampa, Lda., Lisboa, 2006 para a Língua Portuguesa.

O Fascinante Mundo dos Perfumes. Edição especial para Editora Planeta do Brasil, Limitada. 1998.